quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Bombeiro na Janela

Olá, visitante!
Muitos pensam que a alma é como uma chama que impulsiona o homem.
Não dizemos "luz interior", "desejo ardente" e coisas do tipo?
Bem, tenho aqui uma história que é sobre chamas... E alma...


Contos do Velho Horrorista apresenta:

O Bombeiro na Janela


Houve um incêndio numa noite de verão.
Um prédio foi tomado por chamas altas.
Paredes deixadas pretas por gigantes chamas selvagens. Janelas estourando.
Luz forte. Fumaça asfixiante.
Gritos.
Os bombeiros chegaram, mas não foi logo. Aquele foi um verão agitado para eles.
O combate foi longo e difícil.
Pessoas e cadáveres foram retirados. Desfigurados, feridos e torrados.
Alguns sentiram um cheiro enojante, por ser parecido demais com o de bifes suculentos.


Um dos bombeiros ficou preso lá dentro. Por algum motivo.
Perdido num infernal labirinto de luz e fumaça. Atacado pelo calor.
As pessoas o viram.
Ele foi até uma janela. Estava fraco e machucado.
Não conseguia abrir a janela. Nem quebrá-la.
Por algum motivo.
Caiu para trás, para as chamas. Desapareceu.
A multidão se desesperou por ele. Gritando ou segurando a respiração.


Ele reapareceu. Se espremeu contra o vidro. Estava aterrorizado, com novos ferimentos.
Queria desesperadamente fugir. Socou mais violentamente sua prisão... Que, de novo, não cedeu.
E emitiu um grito que ninguém pôde entender.
Caiu para trás novamente.
Desta vez, não voltou a aparecer novamente na janela.

O prédio destruído não foi nem reformado nem demolido.
Ficou ali - Isolado, evitado, intocado.



Pessoas afirmam ter visto o bombeiro morto ali, na janela ainda intacta.
A cena de seus momentos finais se repetindo.
Desesperado para fugir, para romper a janela, para escapar.

Nem todos que encararam a janela o viram. Nem todos que a encaram o vêem.
Ele aparece para poucos.
Talvez tenha só seja possível em noites de lua cheia.
Ou no aniversário do incêndio, na mesma hora em que aconteceu.
Em alguma ocasião especial. Ou só para pessoas especiais. Não há como saber.

Um homem o viu várias vezes.
Em seu trajeto noturno para seu novo trabalho, passar pela janela era inevitável.
A visão fantasmagórica frequente o angustiava.
O bombeiro na janela. Com um inferno atrás dele. Desesperado.
Pensou em fazer algo, talvez quebrar a janela.
Levou um pedaço de tijolo e a intenção de faze-lo, certa vez.
Hesitou.
A cena se repetia. Só que...
O bombeiro não parecia simplesmente cair para trás.
Era puxado.

Algo agarrou o traje dele e o puxou.
Ele conseguiu fugir, trazendo consigo novos ferimentos.
Arranhões. Marcas de luta, de fuga desesperada.
Mas foi puxado novamente para o meio das chamas.

"E se o bombeiro conseguisse fugir... E a coisa das chamas saísse atrás dele?", pensou o homem com o tijolo preparado na mão.
Não quebrou o vidro.
Sentiu que era melhor não fazê-lo. O medo o aconselhou.
Foi-se, deixando o lugar. A janela. O fantasma.
Com a coisa.
E viu, ao olhar para trás, o bombeiro agonizante se desesperar ainda mais diante da ajuda recusada.
Implorar.

O homem mudou de emprego.

Alguns, não muitos, já viram. Alguns que passam pela janela o veem.
Ele ainda está lá.
Preso. Machucado. Fraco. Desesperado. Incapaz de quebrar a janela. As chamas o perseguindo. E, além delas algo mais.
A cena se repete. O desespero e o sofrimento se repetem. De novo e de novo.



NOTAS DO AUTOR


A origem dessa historiazinha que você (tem alguém aí?) acabou de ler: Em Kid Eternidade nº 2, no microconto que é a parada na casa do velho horrorista, quatro histórias do acervo dele são apenas mencionadas (além daquela sobre Os Mapas Do Inferno): O Assobio, O Armário Do Castigo, A Casa Do Desespero e O Bombeiro Na Janela.



Elas foram apenas mencionadas, inflamando a imaginação. A minha, pelo menos.
Eu decidi contá-las. Tomei os títulos e lhes dei um corpo. "O Bombeiro na Janela" foi a primeira, logo as outras três serão postadas.
Diversos escritores já fizeram isso de escrever uma história inexistente, apenas mencionada. Por exemplo:

  • O escritor de ficção científica Robert Silverberg criou “O Homem Invisível” (da antologia Mutantes) baseado numa idéia de Jorge Luís Borges apenas mencionada no início do conto “A Loteria de Babilônia”;
  • "O Estranho Caso de Benjamin Button" foi escrito por F. Scott Fitzgerald depois de Mark Twain mencionar a idéia de que teria aconselhado Deus a fazer passagem do tempo ser ao contrário, se tivesse sido consultado;
  • Stephen King criou duas histórias baseadas em quadros que realmente existem: “A Casa da Rua Maple” e “O Vírus Da Estrada Vai Para O Norte”. “A Casa” foi criada a partir da figura de um livro de ilustrações famoso nos EUA, o “The Mysteries of Harris Burdick”. O objetivo desse livro: dar apenas as ilustrações, títulos e legendas... E deixar para os leitores criarem as histórias.
A imaginação só precisa... bem, da fagulha certa para ser... hã... incendiada.

2 comentários:

  1. Gostei.Me inspirei. Estava justamente procurando o livro Pimentas do Rubem Alves para comprar na net, também fala de "incendios"....Prometo acompanhar seus contos, colega, valeu!

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  2. Obrigado. Vou me esforçar para agradar... Mas só vai funcionar se gostar MUITO de contos de horror.

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